“Capitães da Areia”, romance escrito por Jorge Amado (1912-2001), teve sua primeira publicação em 1937 e é considerado um grande clássico da literatura brasileira. Nessa obra, o autor apresenta uma narrativa ambientada na Bahia e que traz à tona a questão das crianças pobres e abandonadas que, por conta do desamparo do Estado, vivem do furto e de pequenos delitos para sobreviverem. Desse modo, o romance é repleto de crítica social, o que fez com que a obra fosse censurada na Bahia no ano de sua publicação.
A partir de capítulos breves, o livro de Jorge Amado apresenta um grupo de crianças com idade entre 9 e 16 anos que vivem num trapiche (velho armazém) e se autodenominam de Capitães da Areia. Dessa forma, no decorrer do romance, conhece-se um pouco melhor alguns desses menores, entre eles Pedro Bala, líder do grupo. Contudo, apesar de se tratar de um grupo grande, cerca de 40 crianças, nota-se que o romance enfatiza que há algo presente em todas elas: a necessidade de carinho.
Logo, durante a leitura, percebe-se uma dualidade e um constante conflito nas personagens. Isto é, os Capitães da Areia são ladrões, vivem como se já fossem adultos, mas são crianças e têm as mesmas necessidades que aquelas que vivem num lar com uma família. Assim, há diversas passagens em que esse conflito é apontado, visto que, em um momento, vemos Sem-Pernas, um dos meninos do grupo, enganar uma família para roubar seus bens e, em outro, o mesmo Sem-Pernas dando risada enquanto brinca num carrossel.
Diante disso, os Capitães da Areia enfrentam grandes desafios para sobreviverem em meio a pessoas que, em sua maioria, os veem como homens ladrões e os querem dentro de um reformatório. No entanto, há algumas personagens no livro que aparecem para dedicar carinho e certo cuidado às crianças: padre José Pedro, que deseja ver aquelas crianças transformadas através da palavra de Deus, Don’Aninha, uma Mãe de Santo que dedica rezas e cuida dos Capitães da Areia quando algum está doente, e o Querido-de-Deus, um capoeirista que ensina capoeira às crianças do trapiche.
Assim, a história carrega, além de uma narrativa de extrema qualidade, um registro social e histórico de um lugar específico que tem um grande problema com o desamparo de crianças. Ou seja, Jorge Amado não só escreve um ótimo romance, como faz uma ótima crítica à sociedade daquele tempo — que não se difere em muito da sociedade atual. Consequentemente, alguns aspectos históricos saltam aos olhos do leitor, como a questão da varíola, que assola a população baiana e, inclusive, atinge alguns integrantes dos Capitães da Areia, as façanhas de Lampião, que é padrinho de Volta Seca, outro integrante do grupo, a alta do cacau e outras questões que são percebidas na narrativa.
Portanto, embora o livro já tenha 84 anos de existência, a sua leitura ainda é essencial e não à toa compõe o cânone brasileiro de literatura. Jorge Amado mistura a sua crítica social com um lirismo que faz o leitor sentir, também, uma dualidade de sentimentos, ora se angustiando com um episódio dramático, ora imaginando a gargalhada dos Capitães da Areia nas ruas da Bahia. Além disso, a temática do livro continua atual, o que faz com que leiamos o livro e vejamos nele traços ainda existentes sobre a falha do governo de olhar para as crianças abandonadas que, apesar da vida que levam, são crianças.
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