Percebi há pouco tempo que estava sendo injusta com o meu vocabulário. Estava sendo injusta, também, com as coisas ao meu redor, sem o cuidado de admirá-las devidamente. A minha injustiça estava baseada em olhar para o que me rodeia e, cheia de comodismo e preguiça, dar nomes óbvios e sem significado, fazendo com que coisas muito preciosas se tornassem, aos meus olhos, igualmente vazias de sentido. Ora, deixa eu explicar melhor o que me aconteceu e ainda acontece: sumiu de mim a criatividade e meus olhos se viciaram com a rotina, deixando de ver beleza nas coisas simples.
Assim, vi que de manhã, ao abrir a janela, eu via a luz entrar em meu quarto e não fazia nada além de dizer que já era dia. “Dia”. Era só isso que eu dizia. Então, notei que de mim já não mais saia novas palavras para dizer o que o reflexo do sol pela janela de fato exprimia. Contudo, se eu ainda fosse criança, sem os vícios da rotina de uma quase adulta rabugenta, eu não seria tão injusta e chamaria o sol de “amigo quente”, ou daria a ele o nome de alguma personagem de um livro ou programa de TV. Porém, descobri que a mente inventiva de criança estava já distante de mim, pois cresci e deixei ela em algum baú junto aos brinquedos que não mais visito.
Ah, que tristeza é cair em si e constatar que nomeio as coisas vagamente, que chamo o companheiro café de “café” e não de “enganador dos cansados”, dando a ele o significado que lhe cabe quando o procuro e o bebo. É uma pena, camaradas, quando vamos crescendo e esquecendo que as palavras e coisas carregam belezas imensuráveis. E que, portanto, é injusto deixar de acalentar os objetos e pessoas com palavras recheadas de sentidos, sem vícios, sem desgaste do vocabulário e sem deixar de inventar novas formas de dizer o que é sempre dito.
Pois bem, não é novidade que a língua falada é bonita e que são bonitas as coisas nomeadas. Entretanto, é estranho quando o vocábulo é expresso sem carregar consigo diversos sentidos. Então, por perceber essa minha chatice, de acordar e falar somente o óbvio, propus-me um desafio: a partir de hoje tentarei dizer o que deve ser dito, mas me dando a oportunidade de inventar. E, para começar, amigas e amigos, não chamarei isso de texto, chamarei de “esqueleto da mente”.
Com isso, para continuar meu exercício, amanhã me esforçarei para não ser injusta com o dia e, talvez, não o chame apenas de “segunda-feira”, “terça-feira” e afins, pode ser que, como criança, invente algo como “lamentovidade”, dando aos dias palavras e significados novos que lhe cabem, sem os meus vícios de uma quase adulta rabugenta.
Foto: Gilton Lopes Nascimento
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