Às vezes penso, quando ponho aquela folha de papel branco na máquina… você logo vai estar morto, todos nós logo estaremos mortos. Certo, talvez não seja tão ruim assim estar morto, mas, enquanto você está vivo, deve ser melhor viver da fonte presa dentro de você […] — Charles Bukowski, 1962.
A casa onde moro desde criança foi construída em 1991. Hoje ela tem os seus 29 anos. Esses anos carregam histórias diversas, móveis antigos e passos de pessoas que se abrigaram por aqui e que hoje se abrigam em outros lugares — alguns lugares físicos, outros não. Entretanto, o nosso lar carrega histórias que vieram antes mesmo de 1991. A minha casa, que já é antiga, abriga outras antiguidades.
Um dia desses, eu e meus irmãos estávamos vasculhando alguns armários e encontramos alguns objetos empoeirados e com cheiro de lembrança. Dentre esses objetos, estava a carteira de trabalho da nossa avó: Laudelina Lucinda, nascida em 1942. Não tivemos a oportunidade de conhecê-la. Nossa avó partiu cedo. Contudo, sua carteira de trabalho, emitida em 1978, estava ali, num armário da nossa casa de 29 anos.
Além disso, também encontramos um vestido branco, longo e com rendas: o vestido de noiva da nossa mãe. Assim, aquele vestido envelhecido e amarelado, com a sua cor apagada, trouxe para nós a recordação de um casamento de 1990. Com o vestido, ainda encontramos algumas fotos da cerimônia. Tudo estava guardado na porta de um guarda-roupa antigo. E no meio de todos os registros e algumas bíblias velhas, achamos mais do que objetos: nos deparamos com a memória de pessoas e momentos que já se foram.
Naquela noite, vimos registros em papéis antigos, fotografias e artefatos que nos fizeram conhecer momentos e pessoas que existiram antes de nós e que deixaram de existir cedo demais. Logo, foi notável que mesmo que algumas coisas passem, sempre nos resta algo. Com isso, foi inevitável, também, pensar que uma hora ou outra eu também partirei e deixarei nessa mesma casa, de 29 anos, algum registro, algum vestido ou algum cheiro empoeirado.
Desse modo, assim como Bukowski, também penso que não é mesmo tão ruim assim morrer. No entanto, vasculhando todas essas coisas, penso sobre o que deixarei como registro por aqui. Isto é, enquanto estou viva, quais registros estou fazendo a partir do que guardo dentro do peito? De fato, ainda não sei bem. Não tirei muitas conclusões desse dia em que ficamos sem internet e fomos conhecer alguns cantos da nossa antiga casa.
Entretanto, de todas essas coisas deixadas por aqui, percebi algo em comum nos registros encontrados: fé. Uma fé revelada nos discos de vinil de cantores cristãos, nas bíblias antigas e nas confissões dos nossos antigos parentes. Uma fé que esteve entre os que se foram e que hoje se perpetua nos que ficaram. Uma fé que existiu antes de 1991, quando a casa foi construída, e que existe hoje, quando a casa completa 29 anos. Realmente, há coisas que não se vão com o tempo.
Bem, de qualquer forma, espero que os meus registros tragam boas lembranças em algum momento. Enquanto isso, farei do papel branco um canto para eu deixar as minhas lembranças futuras, que em algum momento serão lidas por alguém, numa antiga casa, com seus antigos armários. Enfim, o meu desejo é que minhas lembranças também suscitem fé, mesmo em meio às poeiras do tempo.
E você, quais registros tem feito?
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