Recorde-se!

Esqueço-me facilmente dos dias. Falha-me a memória frequentemente. Como se não bastasse, ainda sou seletiva: costumo apagar da memória partes de um trajeto completo e me limito a olhar apenas para uma cena que está inserida em uma narrativa inteira. Isto é, esse meu esquecimento, além de tudo, é constituído de uma terrível cegueira. Nega-se a ver as diversas pegadas deixadas com muito esforço pelo caminho. Nega-se a ver que a cada uma dessas pegadas, o ser que caminhava foi, aos poucos, transformando-se. Sobretudo, também se nega a enxergar a felicidade presente nos dias – os esquecidos! Por isso, com a mesma frequência com que esqueço, entristeço-me. A tristeza que vem abraçada com essa incômoda falta de lembrança gosta de se alojar nesse meu ser vazio de recordações, e não sai até que lhe falte lugar. Chego ao ponto, então, de questionar-me como fazer para que o lugar até o momento ocupado pela vontade de desistência seja ocupado pelo desejo da continuidade. “Lembre-se daquilo que te traz esperança!”, ouvi certa vez. Esse conselho me faz entender que o ato de se lembrar revigora. Me faz entender, acima de tudo, que a esperança enche o ser até então vazio. Me faz aprender, na prática, que recordar é de fato viver.

Foto: Gilton Lopes Nascimento.

Sobre o Autor

Nívea Lopes
Nívea Lopes

Nívea Lopes, professora de Língua Portuguesa e artista.

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