Onde a maldade é interrompida

Diante de dias tenebrosos como os vividos no ano de 2020 — e ainda encarados em 2021 — é inevitável se questionar a respeito da maldade e decadência humanas. Quando há a notícia de que um político desviou uma verba que seria destinada aos respiradores de hospitais, há uma voz que grita: “como é possível?”. Não há como ficar indiferente diante de escrúpulos definitivamente desumanos.

            Contudo, perguntei-me, certa vez, de que maneira uma pessoa chegava ao ponto de fazer algo tão escandaloso. Questionei-me sobre isso porque em mim havia uma inquietação: um grande corrupto não nasce desviando milhões, logo, qual seria o processo até esse ponto? Então, lendo um texto uns dias atrás, fui levada a refletir sobre as maldades que esbarram o ser humano diariamente.

            Ora, a questão chegou até mim porque, tendo em vista as diversas situações corruptas do cotidiano, pensei sobre o fato de que há uma resposta que cada indivíduo dá às maldades que o encontram. Ou seja, qual é a resposta dada diante de uma oportunidade de se cometer uma fraude dizendo que há uma necessidade de auxílio emergencial quando, na verdade, a necessidade não existe? A indagação é: qual é a resposta dada quando a maldade não se encontra apenas com um grande corrupto, mas com um cidadão comum de um bairro igualmente comum?

Coloco a seguir o texto que mencionei anteriormente, responsável por me trazer a reflexão que faço aqui:

O rei do Egito deu uma ordem às parteiras hebreias, das quais uma se chamava Sifrá e a outra se chamava Puá. Ele disse:

— Quando vocês servirem de parteira às mulheres hebreias, verifiquem se é menino ou menina; se for menino, matem; se for menina, deixem viver.

As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram o que o rei do Egito lhes havia ordenado; pelo contrário, deixaram viver os meninos. 

Êxodo 1:15-17 (NAA)

            Esse texto chama a atenção para a atitude das personagens Sifrá e Puá. Havia a ordem de um político muito influente e evidentemente ruim que estava dando ordens para que as parteiras, mulheres comuns e simples, dessem continuidade ao seu plano desumano. Entretanto, a maldade do Faraó é interrompida por duas mulheres que decidem desobedecer ao rei do Egito e reverter um cenário de genocídio. Dessa forma, essas parteiras apontam para algo extremamente importante: mesmo sendo convidadas para participarem de um ciclo de maldade, elas o interrompem.

            Logo, não há como não pensar sobre os convites ao mal que nos é feito todos os dias; convites feitos a nós, pessoas ordinárias. Não concluo nada de novo, mas a questão é que antes de um político influente aceitar um convite de desvio milionário, ele, certamente, aceitou um convite para, talvez, adquirir um auxílio pequeno que não lhe pertencia ou aceitou ocupar o lugar de outra pessoa numa fila qualquer.

            Diante disso, escrevo mais para me lembrar, através da história das duas parteiras, de estar atenta às minhas respostas diárias aos males cotidianos, porque eles podem até ser menos perceptíveis que a corrupção de um presidente, mas me fazem igualmente responsável por um mal não interrompido.

Estendo, então, esse convite a você, para que também pense de que forma pode interromper a maldade aí, onde você está, não numa Câmara de Deputados, mas na sala de estar de sua casa. Talvez, seja uma oportunidade de evitar que as maldades diárias, menos perceptíveis, formem o grande político de amanhã que destrói toda uma nação.

Foto: Gilton Lopes do Nascimento.

Sobre o Autor

Nívea Lopes
Nívea Lopes

Nívea Lopes, professora de Língua Portuguesa e artista.

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