Ele era dessas pessoas de poucas palavras, de olhar misterioso e de misteriosos atos. Saía por aí sem dar muitas explicações. Ninguém sabia ao certo por onde andava, sequer percebiam seu entrar e sair da casa. Expressava pouco, tanto por não gostar quanto por não saber. Quando um dos filhos ou a mulher percebia que ele estava se preparando para sair, perguntava:
— Onde você está indo?
— Vou logo ali! — respondia já fechando a porta.
E ia. Andava pelas ruas do bairro rapidamente. Na mesma velocidade que saía da casa, entrava. Na maioria das vezes, voltava de mãos vazias. Carregava consigo apenas aquela misteriosa agonia que não lhe permitia ficar parado por muito tempo, agonia que lhe fazia falar rápido, sorrir rápido, sem dar tempo de alguém o decifrar. Esse homem vivido era assim, “Vou logo ali!” era a sua frase mais dita e talvez a preferida.
Ora, nunca teve muito tempo de dar explicações ou se demorar numa conversa, tendo em vista que, quando jovem, já trabalhava pesado. Nordestino, nascido e criado no Piauí, desde novo já avistava o dia em que iria para São Paulo procurar algum outro emprego, criar seus meninos e cuidar da mulher. E por conta de todas essas responsabilidades e tensões que a vida prematuramente lhe colocara, correu tanto para dar conta da vida puxada que afogou alguns sentimentos e palavras.
Sua mulher e seus meninos o conheciam e já não reclamavam da falta de conversa. Sabiam que aquele “eu te amo”, geralmente dirigido à família pelo pai, não chegaria pela voz do homem, chegaria pelo prato de comida na mesa. Ele diria, no lugar do “eu te amo”, um “Vou logo ali!”, e voltaria com alguma roupa nova para as crianças.
Foi nesse “Vou logo ali!” que ele saiu do Piauí, foi para o Paraná e chegou em São Paulo. Também foi nesse “Vou logo ali!” que ele registrou o nome da filha sem falar com a mãe. A mulher, inicialmente, irritou-se, mas logo se acostumou com o nome da menina que o homem apressado escolhera.
Certa vez, o homem que era tão acostumado a sair teve de ver sua mulher indo logo ali, mas o “logo ali” da mulher era longe demais, onde ele ainda não alcançava. Ela tinha ido logo ali no céu. E ele, que era quem geralmente saía, sentiu a dor da despedida de alguém que vai e não volta logo. Aquele nordestino que já era calado, calou-se ainda mais.
Contudo, passado certo tempo, alguns anos, para ser exata, retomou a voz e disse novamente aos seus filhos:
— Vou logo ali!
Os filhos, agora já criados e grandes, queriam mais detalhes. Ele, porém, disse pouco. Somente explicou que, dessa vez, o seu “logo ali” era em outro estado e que não voltaria cedo. Talvez voltaria pouco. Estava indo para uma cidade pequena, um pouco mais calma. Agora, o seu “Vou logo ali!” estava mais com cara de retorno. O homem-mistério estava largando a sufocante São Paulo para repousar em outro canto e aguardar, agora ao lado de outra mulher, o dia do seu “Vou logo ali!” eterno.
Foto: Gilton Lopes Nascimento.
Meu Deus, que coisa linda!!!! 😢😢😢😢