Nota perdida

Sentei-me numa tarde para escrever e fui procurar anotações antigas; ideias que eu havia registrado no meu bloco de notas para possíveis textos. Encontrei uma que dizia o seguinte: “mesa de quatro lugares – um diferente igual”. Passei alguns minutos tentando saber o que me provocou a fazer essa anotação, e eu simplesmente não consegui me recordar de nada.

Essa minha nota era do dia 24 de abril de 2022, ou seja, fazia quatro meses desde que eu a havia feito. Depois de a ter encontrado, não parei de me perguntar: “por que uma mesa de quatro lugares me chamou a atenção naquele dia?”. Afinal, o que há de interessante em uma mesa de quatro lugares? Boa parte das mesas são de quatro lugares, inclusive.

Não me lembrando de nada em especial do dia em questão, aceitei que foi uma observação que se perdeu nas minhas notas. Uma ideia de texto que não aconteceu, assim como outras que acompanhavam essa nota da tal mesa — encontrei uma anotação para uma resenha de um livro, que também não fiz.

E é claro que isso me encabulou de certa forma. Depois de me fazer perguntas sobre a mesa, fiz-me perguntas para saber o porquê de aquelas anotações não terem se desenvolvido, não terem se tornado textos, já que era esse o objetivo delas. Bem, eu também não soube responder de imediato. Na verdade, levantei outra série de perguntas.

Em certo momento, tentei me convencer de que observações podem ser só observações, que elas não precisam ser mais do que isso, que elas não precisam virar textos. Talvez, essa seja só uma mania de escritora, de querer que as coisas se transformem em letras, de ter certa pretensão em tudo que se vê. Talvez…

No entanto, não deixei de ficar incomodada. A observação perdida reivindicou sua existência em algum lugar do meu cérebro, e eu mesma não me convenci de que ela foi apenas uma observação. Afinal, ela me atravessou de algum modo lá em abril. Porém, foi malcuidada por esta que agora escreve. Possivelmente, malcuidada pela falta de tempo de quem a viu — que, aliás, nem a descreveu direito.

De todo jeito, hoje isso é só uma nota perdida do dia 24 de abril de 2022, e eu só estou escrevendo esse texto para me retificar com a minha própria anotação e ensaiar uma afirmação de que serei mais atenta às observações que faço, que não as deixarei fugir, que as descreverei melhor. Quem sabe…

Foto: Gilton Lopes Nascimento.

Sobre o Autor

Nívea Lopes
Nívea Lopes

Nívea Lopes, professora de Língua Portuguesa e artista.

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