Confissão

Confissão

Deixe-me confessar um pecado aqui, nesta crônica? Pecado este ainda em processo de arrependimento e remissão. Pecado que foi alimentado por muito tempo e, possivelmente, transmitido a outros — ainda que inconscientemente. Contudo, por considerar um pecado grave, faço este texto para me desculpar e ajustar a consciência.

            Pois bem. Aqueles que me rodeiam sabem que sou dada à escrita. Gosto dos textos, das formas e das métricas. Logo cedo, vi na escrita um bom caminho de expressão e me lancei a ela. A poesia veio logo em seguida, sem muita demora. Porém, sempre através do registro no papel ou no computador.

            Ironicamente, mesmo escrevendo crônicas, contos e poesias, nunca me atrevi a chamar-me de escritora ou mesmo de poeta. E aqui começa o meu pecado. Nunca me atrevi a isso sabe por quê? Por não ter um registro formal, pelo fato de meus textos ainda não estarem em livros.

            Por bastante tempo carreguei a ideia de que escritor era quem tinha livro lançado e conhecido. E poeta? Poeta para mim era aquele que tinha uma antologia rodando por aí nas livrarias e bibliotecas do país. Quanta bobagem da minha parte! Quanta coisa eu perdi e excluí por considerar apenas um tipo de registro: o escrito.

            Ora, não seriam, então, poetas aqueles que dizem suas poesias na rua? Não seriam grandes contadores aqueles que transmitem a sua história aos mais novos e não ligam muito para o lápis? Não seriam grandes poesias aquelas que cabem na memória, mas não se acomodam tão bem nas estantes?

            Fiquei tão apegada a Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade e me esqueci que existem Severina Branca e Jorge Filó, poetas que gostam da fala, da voz e do corpo; poetas que não se dão muito aos registros formais — por seus próprios motivos.

            Esse foi meu pecado. E por mais contraditório que seja confessá-lo aqui, por escrito, faço este esforço para que não o cometa mais. Faço isso, inclusive, como forma de me constranger a largar certas “oficialidades” e me dar mais à rua, à memória, à voz. Dar-me mais àquilo que talvez logo se esqueça, àquilo que não ficará gravado em folha nenhuma.

            Grande desafio para uma moça que acreditou por tanto tempo que registro bom é aquele dito “oficial”. Porém, permita-me agora lançar-me a outro canto. Experimentarei outras coisas. Quem sabe, vejam-me por aí falando poesia em esquinas e me atrevendo a chamar-me de poeta.

Texto: Nívea Lopes
Foto: Gilton Lopes Nascimento

Sobre o Autor

Nívea Lopes
Nívea Lopes

Nívea Lopes, professora de Língua Portuguesa e artista.

0 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *