Ao vencido, ódio ou compaixão

“Quincas Borba” é um romance de Machado de Assis publicado em 1891. A obra tem como protagonista Rubião, um professor simples e pobre de Barbacena – interior de Minas Gerais. Porém, nas primeiras páginas do livro, o leitor vê Rubião em outra realidade: rico e vivendo na elite do Rio de Janeiro. Assim, o narrador do livro retrata inicialmente uma reflexão do antigo professor sobre si mesmo para, nos capítulos seguintes, explicar como essa mudança ocorreu.

            Nesse retorno à antiga vida de Rubião, o leitor descobre que, em Barbacena, o professor tinha um amigo chamado Quincas Borba, amigo que adoece e fica aos cuidados do protagonista. Esse amigo é descrito como alguém que tem diversas particularidades: é um filósofo, defende uma teoria chamada “Humanitas” e, relacionado a isso, tem um cachorro com o seu próprio nome, “Quincas Borba”.

            Aqui há muitas curiosidades: “Quincas Borba” é o nome do livro, o nome do filósofo e o nome do cão do filósofo, mas o protagonista é Rubião. Há algumas razões para isso, e uma delas é que a teoria e o nome do filósofo acompanham o professor até a última página do livro de uma maneira bem trágica.

            Em uma das explicações de sua teoria, o filósofo Quincas Borba ilustra uma situação em que duas tribos querem atravessar um percurso em busca de batatas para se alimentarem. Contudo, as batatas não são suficientes para os dois grupos, pois não os alimentaria adequadamente, logo não seria possível dividir o alimento de maneira pacífica. Por isso, o filósofo expõe uma defesa à guerra ao dizer que os dois grupos devem brigar, de modo que o mais forte suprima o mais fraco e, assim, o grupo vencedor ganhe a sua recompensa: as batatas. Disso surge a icônica frase: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas!”.

            E por que isso importa? Bem, importa porque é justamente isso que Rubião vivencia em sua brusca mudança de vida, e a obra explora isso com maestria.  Em resumo, a doença do filósofo se agrava, ele perde a sua sanidade e falece. Nisso, deixa uma grande herança ao amigo, Rubião, sob a condição de o professor cuidar de seu cachorro, o também Quincas Borba.

            Ao aceitar a condição e receber a herança, Rubião se muda de Barbacena e, já muito rico, passa a viver na elite do Rio de Janeiro. Torna-se, então, capitalista, integrante de um grupo privilegiado de Botafogo e passa a frequentar espaços importantes. No entanto, Rubião, com a sua falta de malícia, não consegue se adaptar facilmente à nova realidade: é explorado e, aos poucos, suprimido.

O leitor percebe, dessa forma, que o protagonista está dentro da elite, mas como um parasita. Embora tenha dinheiro, não é, de fato, parte daqueles que já integravam o grupo privilegiado. Inclusive, este grupo explora Rubião gravemente com o desejo de escalar na sociedade às custas da herança do antigo professor. Ou seja, naquela guerra entre dois grupos em busca das batatas que o falecido filósofo ilustrou antes de sua morte, Rubião faz parte do grupo mais fraco, faz parte do grupo vencido.

            Durante esse processo de tentar se adaptar, Rubião é frequentemente assolado pela realidade de que não é bem-vindo nos espaços que tenta ocupar, e isso o adoece. Ao longo da narrativa, há algo que se passa dentro do protagonista: a perda gradativa de sua sanidade. Aos poucos, Rubião enlouquece e passa a crer que é o imperador francês Luís Napoleão. O resultado disso é, primeiro, a perda do seu capital e, consequentemente, a perda da companhia daqueles que diziam ser seus amigos.

            Não tendo o tratamento adequado, o protagonista tem a sua doença agravada, seu dinheiro totalmente roubado e, por isso, volta a Barbacena – sua cidade natal. Contudo, em sua loucura, Rubião crê que é o vencedor de sua história, crê que é um imperador. Volta à sua cidade repetindo a frase: “ao vencedor, as batatas!”. Mas, chegando em Barbacena, lugar de onde havia saído, morre na rua com o cachorro Quincas Borba. Vencido de todas as formas possíveis; sendo alvo de compaixão e ódio.

            Assim, ao fim da obra, o leitor se depara com mais uma obra genial de Machado de Assis, que narra a trágica história de alguém que tenta se integrar na elite, mas que é cuspido de lá por ser considerado um parasita. Também: como a tentativa dessa adaptação causa enlouquecimento. A obra mostra como essa elite brasileira explora terrivelmente os mais fracos e suprime a sua existência. Revela, ainda, como o processo de enriquecimento da burguesia brasileira se dá às custas da exploração.

Na última página do livro, a morte de Rubião e do cachorro Quincas Borba é narrada de forma tão irônica que há lugar para o choro e para o riso; algo que Machado de Assis é mestre em fazer. Por essa razão, a obra é atemporal e, mesmo sendo um romance do século XIX, mostra como a elite brasileira ainda mantém um comportamento cruel: explora os mais fracos, enlouquece-os e assiste de perto ao seu desaparecimento.

Referência: ASSIS, Machado de. Quincas Borba; ilustrações por Samuel de Saboia. – Rio de Janeiro: Antofágica, 2021.

Sobre o Autor

Nívea Lopes
Nívea Lopes

Nívea Lopes, professora de Língua Portuguesa e artista.

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